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STF decide que lavratura do TCO não é ato de polícia judiciária. Polícia Penal pode lavrar TCO?



Em julgamento no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal, encerrado no dia 27 de junho de 2020, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3807 impetrada pela Associação de Delegados de Polícia do Brasil, tendo como Relatora a Ministra Cármen, os Ministros por maioria, divergente o Ministro Marco Aurélio, assentaram o entendimento que a lavratura do Termo Circunstanciado (TCO), do artigo 69 da Lei nº 9.099/95, não é ato de polícia judiciária. Do trecho do voto da Ministra Relatora: “Considerando-se que o termo circunstanciado não é procedimento investigativo, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato”. Na ADI 3807 a ADEPOL pedia a declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 48 da Lei n. 11.343/2006, que conferia ao Juiz de Direito a possibilidade de lavratura do TCO nas condutas previstas no art. 28 da citada lei. Atualmente o Termo Circunstanciado de Ocorrência é lavrado pela Polícia Militar e encaminhado diretamente para a Justiça em 12 estados, sendo a Brigada Militar do Rio Grande do Sul e a Polícia Militar de Santa Catarina as pioneiras no procedimento, ambas já atuam neste sentido desde o final da década de 90.



A Polícia Penal pode lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência? por Rodrigo Foureaux | 29 jun 2020 | Atividade Policial



SÍNTESE O tema é muito polêmico e controverso e este texto realiza um cotejo entre o art. 69 da Lei n. 9.099/95, que prevê ser atribuição da autoridade policial lavrar o termo circunstanciado de ocorrência, e a recente decisão do STF na ADI 3807, que decidiu que o termo circunstanciado de ocorrência não é procedimento investigativo. É importante que seja feita uma leitura de todo o texto antes de formar opinião. Em síntese, pode-se afirmar que a Polícia Penal pode lavrar termo circunstanciado de ocorrência nas seguintes situações: a) Qualquer infração de menor potencial ofensivo que envolva os presos ou terceiros que visem o preso e sejam praticadas dentro do estabelecimento penal, pois em todos esses casos haverá relação com a atividade de segurança do estabelecimento penal, que possui como finalidade prevenir e reprimir imediatamente a prática de infrações penais por presos, contra os presos ou que de qualquer forma envolva os presos; b) Qualquer infração de menor potencial ofensivo que envolva os policiais penais ou qualquer pessoa e tenha relação com a atividade de segurança do estabelecimento penal e seja praticada dentro do estabelecimento penal; c) Qualquer infração de menor potencial ofensivo praticada fora do estabelecimento penal, desde que seja nas imediações e atente contra a segurança do estabelecimento penal, dos presos ou dos policiais penais. Com o advento da Emenda Constitucional n. 104, de 04 de dezembro de 2019, foi criada a Polícia Penal. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019) A Polícia Penal foi criada em nível federal, estadual e distrital. A Polícia Penal Federal subordina-se ao Presidente da República, enquanto que as Polícia Penais Estaduais e Distrital subordinam-se aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: § 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019) Inexiste Polícia Federal Municipal, uma vez que a Emenda Constitucional n. 104/2019 limitou-se a criar as Polícias Penais Federais e Estaduais e Distrital. A Polícia Penal do Distrito Federal é organizada e mantida pela União, mas subordinada ao Governador do Distrito Federal. A “organização e manutenção” não se confunde com a “subordinação”. A primeira refere-se à organização propriamente dita, ao caráter financeiro, à criação de cargos, concessão de aumento e de benefícios. A segunda refere-se ao vínculo administrativo e hierárquico. Art. 21. Compete à União: XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019) Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger- se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 4º Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, da polícia civil, da polícia penal, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019) Os policiais penais eram denominados “agentes penitenciários” ou “agentes de segurança penitenciária” que passaram, automaticamente, a serem chamados de policiais penais, em razão do disposto no art. 4º da Emenda Constitucional n. 104/2019. Art. 4º O preenchimento do quadro de servidores das polícias penais será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e por meio da transformação dos cargos isolados, dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários e dos cargos públicos equivalentes. As atribuições dos policiais penais encontram-se previstas no § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal. Art. 144 (…) § 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019) Aos policiais penais cabe garantir a ordem e a segurança nos estabelecimentos penais do país; realizarem escolta armada de presos; trabalharem na ressocialização dos presos; fiscalizarem a entrada de pessoas e veículos nos estabelecimentos penais e realizarem buscas pessoais; cuidarem da vigilância interna, externa e da disciplina dos estabelecimentos prisionais, dentre outras atribuições especificadas em lei. Os policiais penais compõem o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) como um integrante operacional (art. 9º, § 2º, VIII, da Lei n.13.675/18). A competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente entre a União, Estados e o Distrito Federal (art. 24, I, da CF), o que permite que estados legislem a respeito de regras para as polícias penais, inclusive, sobre as atribuições destas, desde que esteja dentro do parâmetro estabelecido no § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal (segurança dos estabelecimentos penais). Ao inserir a Polícia Penal no rol do art. 144 da Constituição Federal, os profissionais responsáveis pelos estabelecimentos penais são valorizados e passam a compor uma instituição policial que passa a receber mais atenção do Governo e investimentos, sendo necessário que haja uma valorização salarial, plano de carreira, além de passarem a ser vistos socialmente como policiais. Os integrantes dos órgãos policiais elencados no art. 144 da Constituição Federal são autoridades policiais em sentido amplo, com exceção dos Delegados de Polícia que são autoridades policiais em sentido estrito. A expressão “autoridade policial” é utilizada por diversas leis, de forma reiterada, sem apresentar um rigor técnico. O termo “autoridade” remete à ideia de poder, o que na Administração Pública relaciona-se aos agentes públicos que possuam poder para tomar decisões e obrigar O termo “policial” refere-se a todos os policiais que pertençam aos órgãos policiais previstos no art. 144 da Constituição Federal, isto é: a) polícia federal; b) polícia rodoviária federal; c) polícia ferroviária federal; d) polícias civis; e) polícias militares e f) polícias penais. O Código de Processo Penal utiliza o termo “autoridade policial”, na maior parte das vezes, para se referir ao Delegado de Polícia, uma vez que trata de atos de investigação ou diligências que devem ser realizadas em sede de inquérito policial, motivo pelo qual a autoridade policial é empregada, nesses casos, em seu sentido estrito, como nos seguintes exemplos: Art. 5º (…) §3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito. Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade. Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Por outro lado, a lei, em diversas passagens, utiliza o termo “autoridade policial” em sentido genérico, sem abranger somente os Delegados de Polícia, como ocorre no art. 11 da Lei n. 11.340/06 ao elencar diversas providências policiais no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; Referidas providências são adotadas comumente por policiais militares e a lei menciona caber à autoridade policial e não há qualquer questionamento ou discussão se os militares estaduais podem adotar essas providências. O termo autoridade policial utilizado no art. 11 da Lei n. 11.340/06 está em sentido amplo. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a interpretação restritiva do termo ‘autoridade policial’, que consta do art. 69 da Lei nº 9.099/95, não se compatibiliza com o art. 144 da Constituição Federal, que não faz essa distinção. Pela norma constitucional, TODOS OS AGENTES QUE INTEGRAM OS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA – polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, policias civis, polícia militares e corpos de bombeiros militares –, CADA UM NA SUA ÁREA ESPECÍFICA DE ATUAÇÃO, SÃO AUTORIDADES POLICIAIS.1 Renato Brasileiro de Lima ensina que “Na expressão autoridade policial constante do caput do art. 69 da Lei nº 9.099/95 estão compreendidos todos os órgãos encarregados da segurança pública, na forma do art. 144 da Constituição Federal (…)”2 Dessa forma é perfeitamente possível afirmar que os policiais penais são autoridades policiais em sentido amplo. Recentemente, em julgamento concluído em 26/06/2020, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal por 10 votos a 01, vencido o Ministro Marco Aurélio, decidiu que o termo circunstanciado de ocorrência embora substitua o inquérito policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos juizados especiais, não é procedimento investigativo, mas sim um boletim de ocorrência mais detalhado. Considerando-se que O TERMO CIRCUNSTANCIADO NÃO É PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO, mas peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que A POSSIBILIDADE DE SUA LAVRATURA PELO ÓRGÃO JUDICIÁRIO NÃO OFENDE OS §§ 1º E 4º DO ART. 144 DA CONSTITUIÇÃO, nem interfere na imparcialidade do julgador. (Trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia). Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal pacificou que o termo circunstanciado de ocorrência não é procedimento investigativo e pode ser lavrado por autoridade diversa do Delegado de Polícia e que isso não ofende o art. 144, §§ 1º e 4º da Constituição Federal, que trata das atribuições da Polícia Federal e Polícia Civil. A decisão do STF não contraria o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.830/13, ao prever que “Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais”, pois pacificou que o termo circunstanciado de ocorrência não é investigação criminal. Sem entrar em discussões sobre o acerto ou erro da decisão do STF, a qual entendo que foi acertada, o importante é que o tema foi pacificado pelo plenário em ação direta de inconstitucionalidade, o que permite afirmar que vincula todo o Poder Judiciário, o Poder Público e todas as autoridades, por mais que discordem, pelo menos no caso decidido pelo STF – possibilidade do juiz lavrar TCO em se tratando do uso de drogas, na forma do art. 48, § 2º, da Lei 11.343/06 -, e isso surte um importante e nítido efeito para todos os demais casos que forem levados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Poder Judiciário, em razão do efeito persuasivo das decisões do STF, sobretudo em controle abstrato de constitucionalidade e em razão da teoria dos motivos determinantes. A teoria da transcendência dos motivos determinantes diz que os fundamentos essenciais, principais, decisivos nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal também possuem efeito vinculante. Trata-se do efeito irradiante ou transbordante dos motivos determinantes. O Supremo Tribunal Federal não tem aceito referida teoria, conforme ensina Márcio Cavalcante3. O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”. Segundo a teoria restritiva, adotada pelo STF, somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes. A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato: • usurpou competência do STF; ou • desrespeitou decisão proferida pelo STF. Não cabe reclamação sob o argumento de que a decisão impugnada violou os motivos (fundamentos) expostos no acórdão do STF, ainda que este tenha caráter vinculante. Isso porque apenas o dispositivo do acórdão é que é vinculante. Assim, diz-se que a jurisprudência do STF é firme quanto ao não cabimento de reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante. STF. Plenário. Rcl 8168/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 19/11/2015 (Info 808). Trata-se de uma verdadeira jurisprudência defensiva, na medida em que admitir a teoria da transcendência dos motivos determinantes implicaria em um aumento expressivo no número de reclamações perante a Suprema Corte. Na Reclamação n. 22470, o Supremo Tribunal Federal afirmou que “a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, “l”, da Magna Carta rechaça o cabimento de reclamação fundada na tese da transcendência dos motivos determinantes.”4 Dessa forma, não cabe reclamação para o Supremo Tribunal Federal na hipótese em que o juiz, o tribunal ou o Poder Público entender que o termo circunstanciado de ocorrência possui natureza investigativa, em que pese contrariar claramente a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3807. O instrumento utilizado para impugnar este entendimento deve ser a ação judicial quando a decisão partir do Poder Público ou recursos quando a decisão decorrer do próprio Poder Judiciário. Pedro Lenza5 ensina que: Inegavelmente, contudo, temos de reconhecer que a perspectiva de transcendência dos motivos determinantes deve ser revista à luz do CPC/2015, destacando-se os arts. 927 e 988.Já expusemos a nossa crítica à vinculação ampliada pela lei processual, lembrando que a Constituição se limita a estabelecer o efeito vinculante nas ações de controle concentrado e em razão de edição de súmula vinculante. Nesse sentido, como afirmam Barroso e Mello, “se o CPC/2015 acolheu tal concepção de tese jurídica vinculante, inclusive em sede de controle concentrado da constitucionalidade, isso significa que, com a sua vigência, o entendimento do STF que rejeitava a eficácia transcendente da fundamentação precisará ser revisitado. É que a eficácia transcendente significa justamente atribuir efeitos vinculantes à ratio decidendi das decisões proferidas em ação direta. Mesmo que este entendimento não fosse acolhido pelo STF no passado, o fato é que, ao que tudo indica, o novo Código o adotou”. Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 3807, por 10 votos a 01, no sentido de que o TCO não é procedimento investigativo, certamente, por coerência, a ADI n. 5647, que questiona a constitucionalidade da autorização concedida pela Lei n. 22.257/16 de Minas Gerais para a Polícia Militar lavrar TCO, deve ser julgada improcedente e, consequentemente, autorizar a lavratura pela Polícia Militar, pois o principal fundamento que visa impossibilitar a Polícia Militar de lavrar TCO consiste na natureza investigativa do termo circunstanciado de ocorrência. Por serem os policiais penais autoridades policiais, em sentido amplo, assim como são os policiais militares e rodoviários federais, e pelo fato do termo circunstanciado de ocorrência não ser um procedimento investigativo, nada impede que os policiais penais passem a lavrar TCO, assim como a Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal, por ser uma atribuição prevista em lei (art. 69 da Lei n. 9.099/95). A finalidade precípua da Polícia Penal é a segurança dos estabelecimentos penais, o que autoria a lei a conceder outras funções que tenham relação com a atividade-fim da Polícia Penal. Inicialmente, a Proposta de Emenda à Constituição n. 14/2016 do Senado Federal, que recebeu o número 372/2017 na Câmara dos Deputados, que posteriormente, se transformou na PEC n. 104/2019, que, por sua vez, foi aprovada e se transformou na Emenda Constitucional n. 104/2019 (Criou a Polícia Penal) previa que à Polícia Penal caberia “a segurança dos estabelecimentos penais, além de outras atribuições definidas em lei específica de iniciativa do Poder Executivo.”, sendo aprovada somente a segurança dos estabelecimentos penais. Isso, contudo, não significa que a lei não possa trazer funções para a Polícia Penal que possuam correlação com a segurança dos estabelecimentos, até porque a Emenda Constitucional n. 104/2019 somente criou a Polícia Penal e é necessária lei para regulamentar a Polícia Penal, dispor sobre a carreira e as funções. Além do mais, a competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente entre a União, Estados e o Distrito Federal (art. 24, I, da CF), o que permite que estados legislem a respeito de regras para as polícias penais, inclusive, sobre as atribuições destas, desde que esteja dentro do parâmetro estabelecido no § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal (segurança dos estabelecimentos penais). Não pode o legislador ampliar as atribuições da Polícia Penal que não possuam correlação com a segurança dos estabelecimentos penais, como permitir a realização de policiamento ostensivo e a condução de investigações criminais. Nesse sentido, são as lições de Henrique Hoffmann e Fábio Roque:6 Não foi aprovada a redação sugerida inicialmente na Proposta de Emenda à Constituição, segundo a qual, além de realizar a segurança dos estabelecimentos penais, caberia à Polícia Penal “outras atribuições definidas em lei específica de iniciativa do Poder Executivo”. A retirada desse trecho impede a indevida ampliação de competência por ato infraconstitucional (por exemplo uma lei federal que autorizasse a Polícia Penal a realizar investigação criminal), A lavratura de termo circunstanciado de ocorrência pela Polícia Penal é autorizada pela lei (art. 69 da Lei n.9.099/95) e por não constituir atividade investigativa nada impede que seja lavrado pela Polícia Penal, na medida em que se trata de uma comunicação ao Poder Judiciário da ocorrência de um fato aparentemente criminoso ocorrido dentro do estabelecimento penal, o que possui direta relação com a finalidade constitucional da Polícia Penal, que é a segurança dos estabelecimentos penais. A ocorrência de fatos que caracterizam crime dentro do estabelecimento penal possui intrínseca conexão com a função da Polícia Penal, pois a segurança do estabelecimento penal abrange a prevenção à fuga, à prática de crimes e repressão imediata, o que inclui a captura de agentes em fuga, ainda que já tenham saído das dependências do presídio, com a necessária formalização dos acontecimentos à autoridade competente. Por óbvio, os policiais penais devem sempre atuar quando constatarem a prática de qualquer crime dentro do estabelecimento penal7 e possuem a obrigação de prender em flagrante delito (art. 301 do CPP), pois são autoridades policiais em sentido amplo e isso se refere à repressão imediata. Seria de todo inadequado, inoportuno e desarrazoável entender que aos policiais penais caberia somente a segurança do estabelecimento penal sem atuação repressiva imediata, pois esta caberia à Polícia Militar ou Polícia Civil. Inviabilizaria os trabalhos da Polícia Penal, além de ser uma interpretação extremamente restritiva do § 5º-A do art. 144 da Constituição Federal, que não foi a finalidade da Emenda Constitucional n. 104/2019, que teve por fim fortalecer e atribuir à Polícia Penal a segurança dos estabelecimentos penais em seu sentido mais amplo, pois o autor da proposta da PEC que criou a Polícia Federal consignou na justificativa da proposta que a atividade do Policial Penal preserva a ordem pública e a incolumidade das pessoas e que “O objetivo desta Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é criar as polícias penitenciárias como órgãos de segurança pública nos âmbitos federal, estadual e distrital, conferindo aos agentes penitenciários os direitos inerentes à carreira policial e liberando os policiais civis e militares das atividades de guarda e escolta de presos.” Isto é, libera as polícias civis e militares para as suas finalidades precípuas previstas constitucionalmente e toda a segurança do estabelecimento penal, em sua acepção mais ampla, fica por conta da Polícia Penal. Diante desse cenário é perfeitamente possível afirmar que a Polícia Penal pode lavrar os termos circunstanciados de ocorrência quando as infrações penais de menor potencial ofensivo ocorrerem dentro do estabelecimento penal ou visar atingir o estabelecimento penal e tiverem relação com a atividade-fim da Polícia Penal. Como a Polícia Penal possui como finalidade a segurança dos estabelecimentos penais, toda ocorrência envolvendo presos ou terceiros que visem os presos ou policiais penais, desde que afete a segurança, e que seja infração penal de menor potencial ofensivo, poderá ser registada pela própria Polícia Penal, mediante a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência com o consequente encaminhamento para o Juizado Especial Criminal. Lado outro, caso a infração penal de menor potencial ofensivo não guarde nenhuma conexão com a segurança do estabelecimento penal, como um crime contra a honra praticado por um policial penal contra outro, por motivos pessoais, o registro deve ser feito pela Polícia Militar ou Polícia Civil. No tocante ao conhecimento técnico e jurídico necessário para lavrar o termo circunstanciado de ocorrência, ainda que as autoridades policiais não sejam formadas em Direito, os cursos de formação podem dedicar boa parte da carga horária para o ensino teórico e prático de todos os temas afetos à lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, o que supre a necessidade de se formar em Direito, pois o conhecimento jurídico e técnico necessário para a lavratura do TCO não possui a profundidade e complexidade dos conhecimentos que um Delegado deve possuir para conduzir um inquérito policial. Trata-se de um procedimento sem maiores complexidades, cujo conhecimento necessário para a sua lavratura pode ser ensinado em um bom curso de formação, assim como ocorre com a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal. A exigência de conhecimento técnico e jurídico para a lavratura do TCO pela Polícia Penal não é um óbice, pois este é facilmente resolvido com o aperfeiçoamento técnico dos policiais penais e reformulação dos cursos de formação, além de ser possível exigir um aprofundamento nessa área nos concursos públicos para policiais penais e cobrar nas provas toda a matéria penal e processual penal que sejam necessárias conhecer para a confecção do TCO. Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que a Polícia Penal pode lavrar termo circunstanciado de ocorrência nas seguintes situações: a) Qualquer infração de menor potencial ofensivo que envolva os presos ou terceiros que visem o preso e sejam praticadas dentro do estabelecimento penal, pois em todos esses casos haverá relação com a atividade de segurança do estabelecimento penal, que possui como finalidade prevenir e reprimir imediatamente a prática de infrações penais por presos, contra os presos ou que de qualquer forma envolva os presos; b) Qualquer infração de menor potencial ofensivo que envolva os policiais penais ou qualquer pessoa e tenha relação com a atividade de segurança do estabelecimento penal e seja praticada dentro do estabelecimento penal; c) Qualquer infração de menor potencial ofensivo praticada fora do estabelecimento penal, desde que seja nas imediações e atente contra a segurança do estabelecimento penal, dos presos ou dos policiais penais. Exemplo 01: preso é flagrado com droga para uso pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/06) dentro do estabelecimento penal. A Polícia Penal poderá lavrar o TCO. Neste caso é importante que a Polícia Penal comunique à Polícia Civil para que avalie a apuração da prática de tráfico de drogas e como a droga chegou até o preso; Exemplo 02: Policial Penal discute com outro dentro do estabelecimento prisional, por motivos pessoais, e pratica vias de fato (art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/41), consistente em um pequeno empurrão. A Polícia Penal deverá acionar a Polícia Militar para o registro da ocorrência, já que a referida contravenção penal não possui conexão com a atividade-fim da Polícia Federal (segurança dos estabelecimentos penais); Exemplo 03: Policial Penal deixa de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a celular (art. 319-A do CP). A Polícia Penal poderá lavrar o TCO. Exemplo 04: Um visitante tenta ingressar no estabelecimento penal com um celular para passar para um preso (art. 349-A do CP), sendo impedido de entrar por um Policial Penal na parte externa do estabelecimento prisional. A Polícia Penal poderá lavrar o TCO. Por fim, a Polícia Penal pode implementar como política de gestão administrativa a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência imediatamente, contudo é recomendável que os policiais penais passem por capacitação técnica antes de iniciarem a lavratura. A partir do momento em que a Polícia Penal passar a lavrar TCO não será necessário acionar a Polícia Militar ou a Polícia Civil, devendo encaminhar os termos circunstanciados diretamente ao Juizado Especial Criminal. NOTAS 1STF. RE 1.050.631-SE, Min. Rel. Gilmar Mendes, decisão monocrática em 22/09/2017. 2LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019.p. 1491 3Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/search?q=O+STF+n%C3%A3o+admite+a+teoria+da+transcend%C3%AAncia+dos+motivos+determinantes>. Acesso em: 29/06/2020. 4STF. 1ª Turma. Rcl 22470 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/11/2017. 5. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24ª Edição. Saraiva: São Paulo, 2020. 6 Polícia Penal é novidade no sistema de segurança pública. Disponível em:<https://www.conjur.com.br/2019-dez-12/opiniao-policia-penal-novidade-sistema-seguranca-publica>. Acesso em: 29/06/2020. 7 Oportunamente será abordado se o policial penal possui obrigação de prender em flagrante delito fora do estabelecimento penal.

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